No dia 1 de outubro de 2016 em Rio de Onor, num cabanal com dois pés em cada lado da fronteira, constituímos a RIONOR (Rede Ibérica Ocidental para uma Nova Ordenação Raiana), como consequência natural do trabalho de aprofundamento da participação cívica em que vínhamos trabalhando desde 2013, ano em que criámos o Movimento Cívico DART (Defender, Autonomizar e Rejuvenescer Trás-os-Montes). Com o nome RIONOR quisemos homenagear a convivência fraterna milenar vivenciada nesta aldeia espanhola e portuguesa, que é um exemplo vivo de cooperação transfronteiriça que muito nos orgulha.
“De eterno e belo há apenas o sonho”.
Fernando Pessoa
Graças às discussões levadas a cabo, depressa compreendemos que os grandes objetivos da RIONOR deviam ser os do aprofundamento da cooperação transfronteiriça, a criação de uma escola viva de cidadania e o estabelecimento de um escol ou de uma massa crítica geradora de conhecimentos de forma a intervir na realidade social raiana.
Somos uma associação apartidária, aberta a todas as correntes de pensamento, mas jamais seremos uma associação apolítica, pois entendemos a política como a disciplina que busca e se interessa pelo bem público.
Acreditamos firmemente que o associativismo nos nossos dias, na medida em que é o herdeiro direto dos valores da solidariedade e da entreajuda, que marcavam o antigo comunitarismo do meio rural, quando estruturado em bases democráticas e com preocupações com a transparência, constitui um domínio ideal para vivenciar e valorizar os valores da solidariedade e da cidadania, com os quais se pode fortalecer a convivência democrática.
Com uma atitude sincera de humildade, o trabalho em prol da cidadania permitiu-nos fazer alguns avanços no terreno, aprendendo com as populações em encontros que denominámos de “conselhos raianos” e que se inspiraram nos antigos conselhos do povo, que eram reuniões abertas a todos os vizinhos destinadas a discutir e a resolver os problemas comuns a toda a aldeia.
Com os Conselhos sobre as áreas protegidas aprendemos que a preservação do património ambiental e cultural destes territórios somente se conseguirá se travarmos o despovoamento e revitalizarmos as atividades agroecológicas. Caso contrário tudo se perderá na voragem de calamidades como os incêndios.
Com os conselhos sobre a Acessibilidade e a Coesão Territorial, compreendemos que afinal não somos poucos e envelhecidos, pois se desenharmos uma circunferência com um raio de 100 km e cujo centro esteja num qualquer ponto da raia, vemos que no seu interior vive cerca de um milhão de habitantes que se tivessem a possibilidade de comunicar, de se deslocar e de fazer circular os bens por vias rodo e ferroviárias entre um e o outro lado da fronteira, muitos problemas económicos seriam resolvidos de forma sustentável.
Com os Conselhos sobre A Escola e o Futuro dos Territórios Raianos, nos quais procurámos responder a questões como: “Está a escola a educar os jovens para a fixação nos territórios ou visa antes a sua formatação de acordo com modelos universais, que potenciam inevitavelmente a fuga para os grandes centros?”, tendo os participantes concluído unanimemente que a atual escola educa para a fuga. No entanto, nessas jornadas aprovaram-se propostas verdadeiramente inovadoras que teriam potenciado a cooperação transfronteiriça, no caso dos governos responsáveis as terem concretizado.
Com os Conselhos Raianos aprendemos também que está na força da cidadania a possibilidade de romper com os males do passado, porque somente com a força e participação dos cidadãos será possível reforçar a democracia e estabelecer políticas que defendam efetivamente estes territórios. É urgente compreender a grande verdade que se não formos nós os raianos a lutar por tudo aquilo que nos diz respeito, ninguém o fará por nós.
Na RIONOR, muito embora alguns objetivos concretizados , temos consciência da nossa pequenez e das nossas limitações, e nada melhor para nos caracterizar que a definição de mito avançada por Pessoa em A Mensagem: “O mito é o tudo que é nada.”. Em boa verdade temos consciência que não somos nada, que somos apenas um conjunto de pessoas livres e inconformadas que procuram sobreviver recorrendo à ferramenta mais fantástica que o ser humano possui, ou seja, o pensamento. Por outro lado, quando nos agarramos ao mito da cooperação transfronteiriça que permitiu às aldeias de Rio de Onor e de Rihonor sobreviver durante séculos no mais radical isolamento, ganhamos a consciência que somos tudo. Assim, podemos dizer que somos um mito que pretende alertar e arrancar do mais fundo das almas as forças necessárias para encontrar de novo gosto em habitar os nossos territórios.
Sem medo das utopias, nunca nos cansaremos de discutir com seriedade estes problemas e propondo como situações ideais as que servirem melhor a região, mesmo que não sejam implementadas nos nossos dias. Quem sabe se as ideias semeadas aos quatro ventos não acabarão por frutificar um dia, provando a veracidade do lema da RIONOR, que o tocador de Tantã nunca sabe até onde é escutado.
A ser verdade que de eterno e belo só há o sonho e que só com o sonho evitaremos a morte, como escreveu Fernando Pessoa, então nunca nos podemos cansar de sonhar com um habitar digno como um tributo e um direito estes territórios que se estendem entre os nossos queridos montes e que podemos inscrever no espaço concreto que pode ir da Serra da Estrela à Cordilheira Cantábrica, do Marão à Sierra de Guadarrama e viver aqui como viveram os habitantes de Rio de Onor durante séculos, com as suas diferenças e as suas proximidades, em harmonia comunitária de entreajuda autenticamente solidária. No entanto, o habitar neste espaço real pretendemos que seja apenas uma metáfora e um exemplo para a coabitação pacífica das populações de todos os espaços raianos, não só da Península Ibérica, como da Europa e do mundo, dando assim o nosso contributo para uma autêntica União Europeia que terá de ser dos cidadãos e das regiões.
Francisco Alves
Presidente da RIONOR (Rede Ibérica Ocidental para uma Nova Ordenação Raiana)
IMAGEM: Cartaz do Conselho Raiano “Cidadania e cooperação transfronteiriça” (Bragança, 2022)