“Nós Não Viemos do Vazio” é um documentário de Carla Fernandes que explora a relação entre espaços urbanos de Lisboa, a memória colonial e a (re)apropriação por parte da população afrodescendente desses espaços.
Filmado entre meados da Década Internacional dos Afrodescendentes e o seu final (2020-2024), a curta-metragem apresenta agentes culturais, académicos, políticos, ativistas, assim como recantos da cidade de Lisboa enquanto testemunhos da longa presença negra na capital portuguesa, ampliando a história da cidade e, consequentemente, do próprio país.
A Universidade de Salamanca (USAL) agenda a exibição do documentário e entrevista à sua autora Carla Fernandes, angolana, escritora, tradutora e produtora cultural.
Na Aula Minor – Facultad de Filología (Plaza de Anaya s/n – Salamanca), na Sexta-feira 14 de março de 2025, às 18h40 (ES). Entrevista e modera: Sofia Oliveira Dias e Rebeca Hernández, da Área de Filología Gallega y Portuguesa da USAL. A USAL é centro oficial de exames CAPLE – LAPE Universidade de Lisboa.
Um olhar crítico
Numa busca por validar a sua existência numa cidade europeia com uma forte presença africana, a agente cultural, Carla Fernandes, propõe-se a recolher provas da sua pertença à cidade – chamando-lhes provas da sua existência – uma vez que os retratos da cidade não a representam. Essa busca tem a finalidade de muni-la de um conjunto de referências que lhe possam dar acesso a percursos de vida e espaço urbanos que mostrem a história comum entre descendentes de africanos e a cidade de Lisboa. Nessa busca, a tradutora e jornalista descobre uma ânsia coletiva, ao fazer entrevistas a pessoas da área da história, da educação, da literatura, da sociologia, do ativismo, da arte, da política, etc. A jornalista, tradutora e escritora apercebe-se também da existência de um movimento externo que procura recuperar narrativas que comprovem que Lisboa acomoda várias identidades que a tornam ao mesmo tempo única e plural.
Desde meados da segunda década dos anos 2000, a cidade de Lisboa tem vindo a lançar um olhar crítico sobre si mesma de forma pública e são vários os acontecimentos que indicam um esforço por reinventar a sua identidade e reavaliar a sua ligação com os africanos e os seus descendentes. Movimentos como a carta aberta de intelectuais e artistas a colocar em causa o nome do Museu dos Descobrimentos ou Descobertas; a discussão pública sobre violência policial motivada por racismo despoletada pelo julgamento do caso Esquadra de Alfragide; a exposição “Testemunhos da Escravatura – Memória Africana”, em que museus foram desafiados a rever os seus acervos para contar essa narrativa; jovens negros que protestam pela primeira vez na Av. da Liberdade após o caso do Bairro Jamaica (2019); a nomeação de uma mulher negra como ministra da justiça (2015); a eleição de 3 deputadas negras (2019); construção de um Memorial às vítimas da escravatura (resultado da 10ª edição do orçamento participativo da cidade de Lisboa / proposta da Djass – Associação de Afrodescendentes, 2017) ou a colocação de placas em homenagem a figuras negras na cidade de Lisboa (iniciativa da Associação Cultural e Juvenil Batoto Yetu Portugal, 2024), ou as declarações do presidente Marcelo Rebelo de Sousa sobre o pagamento de reparações as ex-colónias portuguesas (2024).